O consumo cego e a sensação de estar perdendo tempo

Israel Alves
3 min readApr 28, 2019

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Tenho a impressão, a forte e maligna impressão, de que o nosso tempo não poderia favorecer, do modo como deveria, a “fruição estética”, o ato de aproveitar ou sentir prazer na contemplação de uma obra de arte, um filme, uma música.

A angústia de reconhecer na amplidão das informações a possibilidade — ou a ilusão dela — de podermos dar vazão aos nossos desejos e fazer tudo aquilo que temos em mira, reforça a sensação de que estamos perdendo o nosso tempo, aproveitando-o da maneira “errada” e menos interessante do que poderíamos.

Essa sensação é causada, obviamente, pelo contato incessante com as inúmeras informações que se espalham por todos os cantos e reforçam a ideia de uma variedade infinita de entretenimentos possíveis.

A consciência do efêmero, intimamente ligada ao ser humano quando este se aproxima do cansaço e do tédio, e quando tudo não parece fazer o menor sentido, vai seguindo a velocidade da tecnologia, no ritmo insensível da produção informacional.

E este processo é cíclico: consumimos exaustivamente, logo cansamos. E, para lidar com o nosso cansaço, consumimos mais um pouco!

Algumas pesquisas já apontam que o tempo médio que um visitante passa em frente a uma obra de arte no museu está caindo cada vez mais. E isso não é só no museu.

Pense nas redes sociais e na ânsia de estarmos constantemente atualizados sobre o que se passa no “mundo”.

No mundo físico, “longe” das redes, essa vontade se manifesta no comportamento, na medida em que as pessoas vão perdendo a concentração, migrando para outras atividades, imaginando o que poderia estar acontecendo em outro lugar.

Não existe um mecanismo que seja capaz de simular o botão de atualização do feed, a não ser, pelo contrário, que haja um movimento, uma mudança de ambiente.

Já não se pode aproveitar nada

Paira no ar da cidade uma nuvem de ameaças constantes. Em algum lugar pode estar acontecendo algum evento muito mais legal, com pessoas mais bonitas e conversas mais inteligentes, com músicas mais divertidas e drinks mais sofisticados.

É possível que em outro lugar, seja ele qual for, a vida tenha mais sentido, mas não aqui, agora! Não se assuste, é assim que nós pensamos inconscientemente.

Estamos trocando a oportunidade de experienciar o mundo e sentir a vida em toda sua plenitude por uma sensação de perda constante, por uma angústia de não viver a vida como gostaríamos.

Raríssimas pessoas, nos dias de hoje, são capazes de apreciar um romance, de ouvir uma música até o fim, de assistir um filme sem querer olhar o celular e, muito além, de sentir que a vida é muito maior do que o consumo vazio e doentio que se manifesta atualmente.

O consumo de informações reforça a ideia de que nós precisamos aproveitar o nosso tempo e preencher o nosso dia.

E, por não deixarmos rolar e prestar a devida atenção aos detalhes, consumindo de forma imbecilizada para lidar com a “lacuna do tédio” e apreender o que poderia fazer sentido em nossas vidas, vamos sentindo, cada vez mais, que, apesar de tanto consumir, ainda precisamos de mais!

Em outras palavras, estamos consumindo cegamente

E você, consumiu este texto de forma banal, para preencher o seu lindo dia, ou extraiu alguma coisa boa dele?

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